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27 de junho de 2003

Homossexual é bode expiatório ao longo da história
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

(notícia da Folha de São Paulo de hoje)

Corria o ano de 1307, e o papa Clemente 5º procurava desmontar o poder paralelo que os templários -religiosos militarizados durante as cruzadas- haviam montado no mundo cristão. O grão-mestre da ordem, Jacques de Molay, tornou-se o grande bode expiatório. Foi processado e condenado por práticas obscenas e sodomia. Seria queimado vivo depois de peripécias judiciais.
Passaram-se quase seis séculos. O irlandês Oscar Wilde era um dos mais brilhantes escritores de sua geração. Em 1885, uma corte britânica o condenou por sodomia a dois anos de trabalhos forçados.
De certo modo, a repressão à sodomia não é apenas um capítulo separado na história dos costumes. É sobretudo um ângulo privilegiado para identificar tentativas de normatização violenta e radical do comportamento humano.
Os cidadãos greco-romanos não criminalizavam o ato sexual entre dois homens. Há muitas teorias para explicar as razões que colocaram fim a essa tolerância no início da Idade Média. A visão patrimonialista acredita que a repressão ao afeto que escapava do modelo heterossexual e monogâmico foi desencadeada para evitar confusão na herança dos direitos na Europa feudal.
O cristianismo atuou na mesma direção, ao valorizar a ascese e ao tomar por modelo a sagrada família. O fato é que a Europa cristã sentiu necessidade de atropelar as diversidades internas e de adotar critérios unificados para punir os comportamentos desviantes.
O papa Gregório 9º criou, em 1231, para a França, o Tribunal da Inquisição, que seria suprimido, na Polônia, apenas em meados do século 19. Cumprida a missão de reprimir as heresias, a inquisição passou, no final do século 15, a reprimir cristão novos (judeus e muçulmanos convertidos) na Espanha e em Portugal. Reprimiu também os homossexuais.
Sodomitas da Bahia foram processados a partir de 1591, com a primeira visitação do Santo Ofício ao Brasil. Uma curiosidade: o lesbianismo tornou-se inimputável porque inexiste sodomia no homossexualismo feminino.
O historiador francês Michel Foucault (1926-1984) acredita que apenas no século 19 a sodomia foi verdadeiramente "inventada". Passou a ser a manifestação de uma suposta patologia que deveria ser isolada e saneada da malha social.
Os higienistas, que associavam anomalia a comportamento minoritário, foram os porta-vozes de uma postura segundo a qual o Estado deveria legislar sobre a vida privada. A sodomia foi crime no Reino Unido até 1967. Na França, com variantes atenuantes, ela o foi até 1982. A República da Irlanda e Chipre ainda a punem com pena de prisão. Nos EUA, Illinois tornou-se, em 1961, o primeiro Estado a abandonar essa postura repressora.

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