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25 de agosto de 2002

Importante para todos os DeMolays, que como todos os jovens se preocupam com suas espinhas e outras "coisitas" mais! :-)

Perspectivas para a Aids são cada vez mais sombrias

Paul Benkimoun
Le Monde

A pergunta é ritual: deve-se ser otimista ou pessimista? Nunca os poderes
públicos e a sociedade civil estiveram mais envolvidos na luta contra a
Aids, salientam os otimistas. Nunca, apesar das mais de 20 milhões de mortes
desde 1981, as previsões foram mais sombrias, retrucam os pessimistas. Cerca
de 68 milhões de mortes estão previstas até 2020 nos 45 países mais afetados
"se as ações de prevenção e de tratamento não forem maciçamente ampliadas",
segundo a Onusida.

Desde 10 de janeiro de 2000, quando o Conselho de Segurança das Nações
Unidas incluiu a Aids em sua ordem do dia, até a conferência internacional
de Barcelona, em julho passado, passando pela decisão da Assembléia Geral
extraordinária da ONU de junho de 2001, de criar um Fundo Global contra a
Aids, a tuberculose e o paludismo, a mobilização efetivamente se acelerou.

Os compromissos anunciados diante do Fundo Global ficam pouco acima de 20%
dos US$ 10 bilhões considerados como soma mínima necessária por ano. Os
primeiros financiamentos já foram atribuídos, porém, o que testemunha uma
rapidez incomum. Durante a conferência de Barcelona, o novo
diretor-executivo do Fundo Global, Richard Feachem, afirmou que os
financiamentos concedidos permitirão duplicar nos próximos cinco anos o
número de habitantes dos países em desenvolvimento que recebem medicamentos
anti-retrovirais e multiplicar por seis o efetivo dos africanos que se
beneficiam de tratamentos contra o HIV.

Tratando-se de uma doença que faz 8 mil mortos por dia, como não se
escandalizar com a lentidão com que os países mais afortunados enviam
quantias que representam uma parte irrisória de suas riquezas? Em uma
entrevista ao Monde, o próprio Richard Feachem comparou os objetivos
financeiros anuais do fundo com os US$ 1,2 trilhão que os Estados Unidos
dedicam anualmente a suas despesas públicas de saúde. A contribuição total
de Washington ao Fundo Global é de US$ 500 milhões. Somente quatro
países -Suécia, Noruega, Luxemburgo e Holanda- dedicam pelo menos 0,7% de
seu PIB à ajuda pública ao desenvolvimento.

A França anunciou um ano atrás, através de Lionel Jospin, uma contribuição
durante três anos de US$ 131 milhões ao Fundo Global. Muitos esperavam um
novo gesto por ocasião da conferência sobre Aids, mas somente a Alemanha não
se limitou aos discursos e elevou para US$ 200 milhões seus compromissos. As
carências dos dirigentes dos países do Terceiro Mundo não podem servir de
pretexto para um envolvimento parcimonioso.

"Será que alguém merece ser condenado a uma morte certa porque não pode ter
acesso a cuidados que custam menos de US$ 2 por dia?", perguntou Gro Harlem
Brundtland, diretora geral da Organização Mundial de Saúde à tribuna de
Barcelona. Em seu relatório de julho de 2002, a Onusida adotou um novo
paradigma, estimando que "a epidemia de HIV/Aids ainda está em uma fase
precoce de seu desenvolvimento". Portanto, estamos longe de ter visto o
pior, e ainda o veremos com a distância que separa o observador do norte do
doente que agoniza no sul.

Tratamento simplificados

Diversos argumentos foram apresentados para tentar legitimar o fato de os
tratamentos continuarem restritos aos países desenvolvidos. A insuficiência
das infra-estruturas sanitárias, por exemplo. Houve até afirmações racistas
sobre a complexidade das triterapias. O diretor do órgão americano
encarregado da ajuda pública ao desenvolvimento (USAid) explicou há um ano
que os africanos não tinham noção da hora e por isso não sabiam seguir um
plano de tomada de medicamentos. Como o bom senso não bastaria para
contradizê-lo, podemos conceber que uma pessoa atingida por uma doença
mortal seja motivada pelo respeito ao tratamento que pode salvá-la, seja
qual for sua origem. Estudos foram conduzidos especialmente no Senegal por
franceses da Agência Nacional de Pesquisas sobre Aids. Resultado, a
observância é menor do que entre os pacientes do norte.

Além disso, os tratamentos se simplificaram muito. O laboratório
farmacêutico público tailandês GPO comercializa até uma triterapia cujos
três medicamentos (3TC, d4T e nevirapine) estão reunidos num mesmo
comprimido, o que favorece muito o respeito ao tratamento. O que não é
possível, tratando-se de moléculas pertencentes a laboratórios privados
concorrentes, o é com um produtor público de medicamentos genéricos. É
justamente aos medicamentos genéricos que devemos as mudanças mais
importantes ocorridas no combate à Aids. Estudos realizados pela Médicos Sem
Fronteiras mostram que de setembro a outubro de 2000 o preço de um coquetel
com medicamentos patenteados por multinacionais caiu vertiginosamente,
passando de mais de US$ 10 mil por paciente para US$ 930, sob o efeito da
concorrência com os genéricos. As ofertas de laboratórios privados indianos
a US$ 350 por ano em dezembro do mesmo ano levaram os grandes laboratórios a
baixar para US$ 727 o custo do tratamento equivalente. A queda espetacular
dos preços não resulta apenas da boa vontade da indústria farmacêutica, mas
da pressão econômica dos genéricos, apoiada pela opinião pública
internacional.

Nos países de baixa renda, 230 mil pessoas das 2 milhões que teriam
necessidade se beneficiam atualmente das triterapias. O fato de que a metade
delas se encontra no Brasil não é casual. Respeitando escrupulosamente o
direito das patentes, o Brasil desenvolveu a produção de genéricos em escala
maciça. Isso para cobrir parte de suas necessidades mas também para dispor
de uma arma na negociação com as multinacionais. E funcionou: até os
laboratórios ocidentais mais resistentes tiveram de alinhar seus preços.

A grande lição do Brasil é não ter se baseado totalmente numa abordagem
puramente liberal, como fez a Índia, país que muitos qualificam de bomba de
efeito retardado, já que lá a explosão epidêmica corre o risco de ser forte.
Os produtores indianos de genéricos são empresas privadas, e portanto são
somente as regras do mercado que regem a evolução do preço dos medicamentos.
Desenvolvendo um programa público de prevenção, de testes e de acesso ao
tratamento por uma produção nacional de medicamentos genéricos, o Brasil dá
ao Estado um papel regulador. Isso é ter uma política de saúde pública. Além
das necessidades do combate à Aids, a lição serve para todos os envolvidos
na política do medicamento e na administração das despesas de saúde.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Fraternalmente,
Marcelo Brito
Médico

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